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Havia dez anos que a turma de 2008 do Colégio São José não se via. E para muita gente ia continuar assim. Akire foi a primeira a sumir no mundo, mudou de cidade antes mesmo da formatura. Ela chegou a voltar umas duas vezes, apenas para visitar, mas não conseguiu encontrar todos. Ficou 6 meses planejando a viagem, organizou um grande encontro da sua panelinha da época e teve ajuda de amigos que levou para a vida. Jack e Katarina acharam o lugar perfeito na cobertura de um dos colegas, o preço do buffet foi dividido entre todos e a bebida seria inacabável. Todos os 20 amigos com seus companheiros ou filhos haviam confirmado. Menos um. Henrique, o ex-namorado de Akire, o único que ela nunca mais tinha visto. Eles ficaram 6 meses juntos, e foram amigos durante todo o ensino médio. Apesar das promessas feitas e das longas mensagens trocadas desde que haviam se conhecido, ele parecia odiá-la, ela insistia em querer a amizade de volta, e os amigos juravam que ainda havia sentimento.
A festa estava perfeita! Akire não acreditava no que estava vendo. Algumas lágrimas escorreram pelo rosto dela, estava muito feliz por estar ali. Conversou com cada um deles, conheceu a família que formaram, descobriu os sonhos que realizaram, percebeu que a vida estava muito boa para todos. Descobriu um crush antigo, flertou um pouco, mas o amigo disse que ela seria sempre a Akire do Henrique. Depois de tanto beber e conversar, resolveu ficar um pouco sozinha num corredor isolado perto da escada de serviço.
- Ainda dá tempo de entrar?
Ela olhou para cima e quase não acreditou em quem estava ali.
- Henrique? Chegou cedo para o café da manhã.
Eles riram enquanto o recém-chegado sentava no chão ao lado dela.
- É, mudei de ideia. Melhor do que ficar na merda em casa.
- A Larissa tá no plantão?
- Não. A gente deu um tempo. Na verdade ela pediu um tempo, assim do nada.
- Nossa, que chato.
- Ah, pára. Você já fez isso também.
- Não Henri, é completamente diferente. A gente não tinha futuro juntos. Vocês têm, são perfeitos.
- Como você sabe?
- Ai grosso! Temos amigos em comum né!
- Eles ficam falando do seu ex para você?
- É bom saber que você tá feliz. Já que você me riscou da sua vida.
- Só retribuí o que você fez.
Akire não tinha resposta para isso. Ela levantou e disse que ia pegar algo para beber. Ele resolveu ir junto. Henrique passou por alguns colegas que ainda não tinham ido embora, explicou para os que perguntaram sobre a namorada que ela estava trabalhando e disse que na próxima vez tentaria chegar mais cedo. Depois do pequeno tour, Akire resolveu sentar do lado de fora da festa, do lado da piscina, Henrique ficou em pé ali também.
- Tá me seguindo?
- Caramba Akire! Você me chama de grosso, mas não fica atrás.
Ela riu.
- Você apareceu do nada na minha casa ontem para conversar. Acredito que você não conseguiu falar nem metade!
- Verdade. Calma cara, relaxa aí.
- Impressionante como você sempre me tira do sério.
- Não tenho culpa se você guarda um amor reprimido aí.
- Para com essa mania! Eu não sou mais apaixonado por você. Tem dez anos, supera.
- Eu superar? Cinco anos atrás a gente tentou voltar a amizade e do nada você surtou dizendo que não conseguia, que eu tinha que seguir meu caminho.
- Mas você tinha que me deixar em paz e seguir sua vida.
- Eu fui falar com você, finalmente reconheci o que fiz e quis pedir desculpas. Você aceitou numa boa e sugeri que nossa amizade voltasse. Você concordou! Você me deu seu celular! E depois surta?
- A gente ia tentar voltar a amizade. Não deu certo.
- Não deu certo para você né? Eu estava muito bem obrigada.
- Como estava dando certo? Você me falava coisas inúteis, desnecessárias.
- Era só falar isso, ou ignorar. Mas não, você tinha que fazer um textão, com uns erros de português terríveis, dando a impressão de que eu estava te perseguindo. De que eu era a louca que não conseguia te superar. Por favor né!
- Ta bom Akire.
- Você não vai falar nada?
O silêncio tomou conta. Afinal o isolamento das portas e janelas fazia com que o som da festa não chegasse na piscina. Segurando uma cerveja, ele sentou ao lado dela, sem fazer qualquer contato visual.
- Dez anos atrás, quando tudo começou, éramos apenas amigos. Eu não poderia permitir que isso acontecesse de novo. A amizade inocente, falando de coisas idiotas, uma aproximação, a admiração, o carinho, o sentimento e pronto. Eu amo a Lari, eu ia ficar confuso sem motivo.
- Porque você inventou para o pessoal que ela está trabalhando?
- Não queria falar sobre isso. Não é nada sério, vamos voltar.
- Por que você me contou?
- Ah, nossa amizade é eterna apesar de tudo. Eu confio em você, seus conselhos foram os melhores até hoje.
- Ninguém me superou?
Ela gargalhou alto. Ele riu junto e só ficou pensando em como aquela risada era única e maravilhosa.
- E por que você vive me bloqueando nas redes sociais?
- Akire, eu não vou ficar explicando tudo. Eu preciso estar longe de você para viver em paz. Esquecer você foi muito difícil. Eu achei que depois que a Lari apareceu na minha vida, estava tudo bem. Desbloqueei você, te passei meu novo e-mail caso quisesse voltar o contato assim, mas nunca apareceu algum na minha caixa de entrada. E do nada você mandou mensagem, se desculpando, querendo voltar a amizade. Juro que pensei que ia dar certo. Mas não deu.
- Os sentimentos voltaram?
- Sim, um pouco.
- Desculpa.
- Tudo bem, não é culpa sua.
- Ei, olha para mim.
Ele levantou a cabeça e olhou bem nos olhos dela.
- Eu sempre quis voltar para a minha cidade, estava aqui contra a minha vontade porque minha mãe foi transferida. Eu coloquei na cabeça que assim que fizesse 18 anos eu ia embora. Eu devia ter sido sincera. Ficamos seis meses juntos, terminei do nada e nunca me expliquei de verdade.
- Sim...
- Eu amei você de verdade, mas eu sou altos e baixos. Sou fofa num dia e extremamente grossa no outro. Fico meses falando com algumas pessoas todo santo dia, mas canso rápido de quem realmente importa. Não nasci para ficar com alguém por tanto tempo. Acho que eu só queria me sentir amada e pronto. E coloquei na cabeça que meu principal objetivo era voltar para o meu verdadeiro lugar. Menti quando te disse que você poderia mudar isso e que talvez eu ficasse. Desculpa pela dor que causei.
- É bom escutar isso. E eu não lidei bem com o término e nem fui o melhor namorado do mundo. Te chamei de maluca quando terminou comigo.
- É eu lembro, eu escutei...
- É, não sabia que você tinha escutado. Bem, eu era bem ciumento e possessivo, queria estar com você o tempo todo e não gostava dos seus amigos homens. Continuei correndo atrás de você mesmo depois do término, eu tinha esperança. Nem quis ir na formatura porque você também não ia e naquele momento só você importava. Eu respondia seus e-mails que contavam como estavam sendo os primeiros meses na sua cidade, mas percebi que isso não levaria a nada. Desisti, fui grosso, rude, e parei de responder. Bloqueei, ignorei suas visitas aqui e fiz questão de enfatizar para o Jack que não tinha ninguém que eu queria ver no jantar que você marcou. Desculpa também por ter sido tão imaturo.
- Então está tudo bem? Não podemos ser amigos, mas vamos sempre nos respeitar e nos conhecer, porque afinal, nossa essência não mudou.
Eles sorriram timidamente.
- A Lari acha que ainda gosto de você, além da amizade sabe.
- Ela está errada. Você me tirou da sua vida por ela. Respondeu um story meu outro dia e não sentiu nada, né? Somos parte do passado.
O silêncio reinou novamente. O constrangimento tomou conta.
- Ela está errada, não é?
- Eu não sei Akire, tenho dúvida às vezes.
- Oi?
- Sabe, quando conversei com ela ontem, que ela pediu um tempo, eu fiquei arrasado, chorei, não consegui dormir. Já me imaginei sozinho, eu planejava casar com ela. E hoje me veio uma vontade de te ver sabe. Agora tenho vontade de te beijar.
- A gente tinha uma boa química. Não quer dizer que você ainda é apaixonado por mim. Eu já me peguei pensando em você, já comparei seu beijo com de outros caras. Isso é normal. Somos ex-namorados, fazemos parte da vida um do outro.
- É, você tem razão. Acho também que faltou uma despedida sabe.
- Tipo um último beijo?
- É... Eu não sabia que ia ser o último. Teria caprichado.
Ele riu maliciosamente para ela.
- Você sempre caprichou. Mas é verdade, você tem razão. Não teve esse beijo de despedida. Na verdade eu já me arrependi de não ter dado pra você naquela época.
Ele gargalhou.
- Sério? Teria sido um prazer.
Riram juntos como se fossem melhores amigos sendo sinceros depois de uma bebedeira.
- Bem... - disse ela apoiando a mão na coxa dele - Eu vou pegar uma bebida e retocar a maquiagem. Já volto.
Ela empurrou a porta de vidro que separava a área da piscina da sala onde rolava a festa e o som pôde ser escutado por Henrique. Akire cambaleava um pouquinho, mas estava ótima. Dançou um pouco com os amigos e até foi a sensação na hora da música mais sensual, ela sempre se mexeu muito bem. Jogava os cabelos o tempo todo e rebolava de uma forma única, era um talento nato. Henrique terminava a cerveja enquanto observava a ex, estava ainda mais linda. De repente ela cansou e lembrou que precisava de uma bebida, mas antes tinha que conferir a maquiagem. Achou melhor pegar o batom na bolsa que estava num quarto da cobertura, todo mundo tinha colocado seus pertences lá. Assim que encontrou a bolsa jogada em cima da cama, ouviu a porta abrir e fechar atrás dela, logo em seguida do barulho da chave girando. Alguém estava trancando ela no quarto.
- Ei!
Virou-se para entender o que estava acontecendo.
- Acho que hoje é o dia para acabar com arrependimentos.
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